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"A habilidade de alcançar a vitória mudando e adaptando-se de acordo com o inimigo é chamada de GENIALIDADE"

- Sun Tzu, A Arte da Guerra.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

METODOLOGIA - "A TEORIA DO CONE"

Amigos, diante de algumas aulas de futebol que vemos por aí, mostro abaixo um texto (antigo e ao mesmo tempo atual do ponto de vista da metodologia) do mestre João Batista Freire para análise:

Encontrei Dona Clotilde outro dia desses e ela insistiu, mais uma vez: ela queria porque queria assistir a uma aula dessas de escolinhas de esportes. Eu desconversei, mudei de assunto, tentei fazê-la desistir da idéia, mas não teve jeito. Por mais que eu afirmasse que era uma coisa chata, que ela iria se aborrecer, a boa velhinha insistiu e insistiu, até que eu cedi e a levei a uma Escolinha de Futebol, bem próxima ao local onde estávamos. No caminho ela me explicou que tinha muita curiosidade a respeito das coisas da Educação Física e que, no caso do Futebol, a curiosidade aumentava. Afinal, fomos campeões do mundo quatro vezes. E o que acontecia agora que não não conseguíamos ganhar de mais ninguém?
Achei melhor que ela mesmo constatasse. Entramos no campo onde se realizavam as aulas e sentamos numa arquibancada lateral ao gramado. O professor estava começando a aula e havia umas trinta crianças, meninos e meninas, com idades entre oito e dez anos mais ou menos. Primeiro ele deu um aquecimento. Colocou a criançada em roda e, a cada exercício que ele mostrava, os alunos iam repetindo. Ele flexionava o tronco à frente e contava até oito. Aí a garotada flexionava o tronco e contava bem alto até oito. Depois fazia uma abertura lateral e, nessa posição, contava até oito. Foram uns dez exercícios de alongamento. As crianças, muito flexíveis, não tinham qualquer problema com os alongamentos, ao contrário do professor, que era bastante rígido.
Aí a Dona Clotilde me fez a pergunta que eu temia: por que o professor e as crianças tinham que contar até oito durante cada exercício? Tive que confessar que não sabia. Não será porque ele está ensinando as crianças a contar? Insistiu ela. Continuei dizendo que não sabia explicar isso. Ou será que é até onde ele sabe contar? Agora a velhinha já mostrava um tom de gozação. Fiz que não ouvi e tentei mudar de assunto. Mas aí é que a coisa piorou. Começou a aula propriamente dita.
Atentamente a minha amiga acompanhava a organização da aula de futebol. O professor colocou meninos e meninas em fila, atrás de uma série de cinco cones, separados um do outro por uma distância de uns três metros. Na frente da fila de cones, a uns dez metros, uma trave e um goleiro. Ao sinal do professor, o primeiro aluno da fila partia com a bola nos pés, zigue-zagueava entre os cones, passava a bola ao professor após ultrapassar o último cone, recebia a bola de volta e a chutava ao gol. Em seguida voltava para a fila e aguardava sua vez.

Como a aula tinha trinta alunos, durante os trinta minutos que durou aquele exercício, cada aluno deu seis chutes ao gol. Eu impaciente, aguardando a pergunta da Dona Clotilde, que veio logo: Por que ele usa aqueles cones? Sinceramente, minha amiga, não sei. Acho que é para melhorar a agilidade das crianças. Ela não ficou satisfeita: Escuta, mas, durante o jogo tem algum cone no campo para as crianças contornarem? Achei que a boa velhinha estava me gozando e fiquei quieto. Ela continuou: Você reparou que elas passaram quase todo o tempo da aula na fila? Será que ele está ensinando os alunos a ficarem em fila? No jogo de futebol tem que fazer fila antes de chutar no gol? E quanto mais eu fazia cara de aborrecido, mais ela se divertia.

Antes de nos despedirmos, ela tentou me consolar. Olha, João Batista, eu sei que não é assim que você dá aula. E ambos sabemos que Pelé e Garrincha nunca teriam aprendido futebol se tivessem feito essas coisas que o professor ensinou às crianças. Mas, pelo menos aprendi uma coisa: agora sei porque é que a nossa seleção apanha de todo mundo. Não é só culpa do Ricardo Teixeira.


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